A MAIS
TERRÍVEL DAS RELIGIÕES
Pedro Virgínio P. Neto
Qual seria a mais terrível das religiões? A resposta
talvez surpreenda a muitos. A mais terrível das religiões é a religião sem
Deus. Ora, por quê? Porque nela “Deus” passa a ser o próprio Homem.
Não me refiro ao homem universal e exaltado. Mas ao
homem concreto, de fato existente. Dominado por suas paixões, por suas certezas
absolutas ou por suas dúvidas e ignorância dissimuladas. O homem que é capaz de
amar com intensidade, mas que pode odiar com intensidade maior ainda. O homem
de postura volúvel e passional por natureza.
Interessante que Voltaire, conhecido iluminista e anticlerical
do século XVIII, defensor da tolerância religiosa, advogava o valor da crença
em Deus. Argumentava que se na sociedade imperasse o Ateísmo, muito em voga em
seus dias, os homens e os Reis se entregariam a ações sem limites.
"... o único freio dos poderosos
... o único freio dos homens que
cometem disfarçadamente os crimes secretos."
(O Ateu e o sábio, Voltaire)
Outra referência interessante diz respeito à
Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789, dentro do contexto da Revolução
francesa. O documento, escrito pelos líderes da Revolução, começa por invocar o
"Ser supremo" na presença
do qual e sob seus auspícios declaravam de modo solene "os direitos naturais,
inalienáveis e sagrados do homem".
O acadêmico e escritor irlandês C. S. Lewis, em sua obra intitulada "A abolição do
homem", projeta um futuro no qual o homem tal como o conhecemos em suas
características positivas quanto ao ser sensível moralmente e autônomo quanto à sua individualidade,
deixaria de existir. Nessa obra ele analisa a expressão "O domínio do
homem sobre a natureza".
Quando o homem e a mulher comuns, no seu cotidiano,
imaginam que possuem domínio sobre a natureza só porque as tecnologias avançam
e eles as utilizam, eles se enganam. Pois o poder não é deles, mas daqueles que
dominam essas tecnologias. Ora, ele conclui: "A última parte da natureza a
ser dominada é a natureza humana".
Quem dominará a natureza humana? Todos os homens? Não.
Alguns homens terão domínio sobre a natureza da grande massa de seres
humanos.
Lembremos que C.
S. Lewis era um escritor de grande imaginação e senso crítico. Ele fez
projeções e não profecias. Mas suas colocações tocam no ponto principal
de nossa reflexão: A religião sem "Deus", onde o próprio homem assume
a posição de "Deus", dentro de uma estrutura ideológica, por exemplo,
seria a mais terrível das religiões.
Para concluir vale ainda mencionar o mesmo autor que
captou o caráter intrinsecamente religioso do ser humano ao afirmar a idéia de
que quando os homens são impedidos de venerar um rei, eles passam a venerar os astros
de rock e celebridades da mídia.
Conquanto alguns considerem que é preciso acabar com
toda a noção de "Deus" para que a humanidade encontre o caminho
certo, parece, na verdade, que algo ou alguém sempre estará ocupando este
lugar.
Talvez por isso Voltaire
tenha dito: “Se Deus não existisse seria preciso inventá-lo”. Algo muito
parecido já li também em uma das páginas de Carl Gustav Jung. Se ele de fato disse isto ou não, é o de menos. A
religião sem “Deus” é a subjetivação de todo critério.
OBS: Longe de mim afirmar que pelo fato de alguém esposar tal cosmovisão seja por isso mau caráter. Seria desnecessário dizer que muitos ateus vivem como se fossem cristãos movidos unicamente por sua razão e formação educacional. E muitos cristãos comportam-se de modo oposto a proposta do cristianismo em muitos aspectos da vida. A questão levantada não é contra indivíduos, mas quanto a uma cosmovisão dominante em uma sociedade. Não me refiro também a uma "não-religião" sem Deus. Mas a uma "religião sem Deus". Se é que me entendem.
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