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O QUE É CONSERVADORISMO, NA VISÃO DE ROGER SCRUTON


O QUE É CONSERVADORISMO,
NA VISÃO DE ROGER SCRUTON

 Pedro Virgínio P. Neto

Na perspectiva filosófica mais clássica, toda discussão deve começar pela definição de termos, para que se saiba qual o significado preciso das palavras usadas na discussão e não se instale uma Babel, o que ocorre de modo não pouco frequente, no debate público brasileiro.

 Termos como Fascista, Socialista e conservador, são utilizados sem qualquer tipo de critério, na maior parte das vezes como termos ofensivos, como recurso de argumentação “contra a pessoa”  e, raramente, como conceitos precisos. 

 Neste pequeno artigo, a partir da análise feita por Bruno Garschagen, sobre a obra “O que é conservadorismo”, de Roger Scruton, pretendo apresentar uma série de proposições que resumem o pensamento Conservador. 

 Não é incomum as pessoas se identificarem, com maior ou menor intensidade, com tal postura, uma vez que tenham compreendido tais princípios.

 Quero frisar que este artigo é de cunho informativo e aborda o assunto de um ponto de vista acadêmico, ainda que com um tom um tanto informal. Também de modo algum pretende esgotar o assunto. Sendo uma modesta contribuição para o enriquecimento do debate político que anda deveras empobrecido. Antecipo que meu próximo artigo, nesta linha será sobre A filosofia de Karl Marx e a proposta de uma sociedade Comunista.


1.   O Conservadorismo, via de regra, é inarticulado e não sistemático. 

 Os conservadores, via de regra, não possuem um corpo teórico que os unifique, fazendo com que todos pensem e ajam em um mesmo sentido e propósito, como é o caso do pensamento revolucionário Socialista marxista que mantém um corpo teórico bem articulado e em constante elaboração. 

Esta é uma das vantagens do Socialismo sobre o conservadorismo, segundo Roger Scruton, quando ambos se encontram no debate público. O socialista consegue colocar seu pensamento de modo academicamente mais elaborado. 

 Assim, Scruton, define o Conservadorismo muito mais como uma “atitude”(cf proposição 6). Com o intuito de sanar um pouco desta fragilidade do pensamento conservador, é que a obra apresentada foi escrita.

 

2.           O Conservadorismo é “um espírito adormecido”, só aparece em momentos de crise e fragmentação social.

 J. P. Coutinho, diferencia o Conservadorismo  do Liberalismo e do Socialismo, caracterizando-o como uma postura REATIVA. Socialistas e Liberais trabalham incansavelmente, a todo instante para garantir uma sociedade igualitária (Socialismo) e onde predomine a liberdade individual (Liberalismo). O conservador não trabalha sempre e a toda hora. Ele manifesta-se apenas como atitude de reação, quando mudanças bruscas e intensas ameaçam a própria constituição da sociedade ou valores e instituições que garantem sua existência.

(https://www.youtube.com/watch?v=SqKTLbiQ_AY)

 

3.           O Conservadorismo não se opõe à mudança em si mesma. Mas às mudanças bruscas que desestabilizam e ameaçam desintegrar a sociedade.

 O exemplo básico desses momentos de desestabilização social, foram os momentos de transição Revolucionária ocorridos nos séculos XVII e XVIII. Ali, naquele contexto, homens de pensamento conservador se levantaram para questionar os resultados imediatos daqueles movimentos. Analisando esses momentos diversos, perceberemos que em meio aos embates entre os maiores beneficiados pelo status quo (Reacionários) e os que procuram imprimir na sociedade mudanças radicais  e bruscas (revolucionários) se levantam homens de posição conservadora (Reformadores), que advogam a causa da mudança, mas procurando evitar que a sociedade degenere em alguma forma de anomia. Percebe-se, então, a importância atribuída pelos conservadores, às instituições sociais.

 

4.           O Conservadorismo se opõe às mudanças elaboradas e processadas do exterior dos modos de vida (introduzida por elementos estranhos àquela sociedade).

 As três proposições (2,3,4) acima, dizem respeito à postura conservadora em relação às mudanças operadas no seio da sociedade. O conservador não é, necessariamente, alguém que é contrário a qualquer mudança, inclusive a ampliação de direitos sociais, como rasteiramente se considera. Mas são, antes, pessoas que desconfiam de propostas de mudança que não sejam fundamentadas em evidências de que trarão realmente benefícios para a sociedade como um todo. Conservadores olham com desconfiança qualquer proposta de mudança radical nas bases da sociedade (econômicas, políticas e de costumes) sob o pretexto de se instalar uma sociedade ideal (Confira a proposição 5).

 É bem verdade que o Conservador tende ao imobilismo. Em sua manifestação extremada, pode tender mesmo à ação restauradora, quando em meio a uma grave crise, característica de processos intensos de mudança. Enquanto o progressista revolucionário deseja seguir em frente, sejam quais forem as consequências, o conservador pensa em voltar para o lugar que ele julga ser seguro. Isto nos conduz à próxima proposição.

 

5.           O Conservadorismo valoriza o presente, com suas riquezas herdadas do passado (Tradição), recusando-se a abandoná-las por promessas fabulosas de um futuro perfeito.

Como bem frisou o filósofo Luiz Felipe Pondé, filosoficamente o Conservadorismo nasce com os filósofos empiristas, os quais procuraram fundamentar seu pensamento na observação das experiências práticas, vividas. Sua fonte principal de reflexão é “a observação da realidade” e não “as teorias elaboradas em gabinetes”.

 Assim, diante das propostas de recriação repentina da sociedade em novas bases, por meio de processos revolucionários, o conservador olhará com desconfiança e pedirá garantias de que a ação revolucionária oferecerá mesmo o que promete e não lançará a sociedade num estado de coisas ainda pior (Tal como sinalizavam Alexis de Tocqueville e Edmund Burke, em relação à Revolução Francesa)

 Um pensamento popular que, talvez, seja adequado para definir a atitude conservadora, em relação a este ganho futuro, seja: “mais um pássaro na mão que dois voando”. 


6.           O Conservadorismo não está preso a uma teoria fixa do Estado, mas orienta-se por uma “atitude conservadora”.

 Conservadores que vivem em sociedades Totalitárias (em Regimes políticos seja de esquerda ou de direita), tenderão à defesa da manutenção das linhas gerais do Regime ou à mudança gradual. Conservadores que vivem em sociedades democráticas, tenderão à defesa do regime democrático, sobretudo pela manutenção de Instituições fortes e independentes como as Constituições, a representação política e a oposição legal. 

 

7.           O Conservadorismo não apresenta uma proposta universal para todos os povos indistintamente.

 Na perspectiva conservadora, uma sociedade está fundada sobre elementos de continuidade histórica. Suas Leis (a exemplo da sociedade inglesa) foram se constituindo ao longo de seu prolongado desenvolvimento e, portanto, a maioria delas são adequadas à preservação do organismo social. Evidentemente, como apontado em proposições anteriores, não se advoga uma petrificação ou um congelamento das Leis e dos costumes, mas da defesa de um equilíbrio entre mudança e permanência. 

 Como cada sociedade tem sua própria história, impor um único modelo social aos povos é tido como inviável ao conservador. Foi exatamente neste ponto que os autores Alexis de Tocqueville e Edmund Burke revelaram sua desconfiança conservadora em relação à Revolução Francesa.

 

8.           O Conservadorismo defende a existência de instituições fortes e independentes, como condição para o exercício da liberdade.

 Scruton assim se expressa, com relação a isto: 

 

“Essa liberdade, porém, não pode ser identificada se estiver separada das instituições que a fomentaram. Trata-se da Liberdade para fazer o que não é proibido pela Lei, e o que é proibido pela Lei registra uma longa tradição de reflexão sobre a natureza e a constituição da sociedade britânica.” (p.51). 

 

Assim, a liberdade não é vista como algo abstrato, mas como tendo necessariamente uma relação com o conjunto da sociedade. A liberdade não é tida como um valor absoluto, acima de qualquer outro valor. A liberdade deve estar em harmonia com os propósitos do corpo social. Uma liberdade absoluta concedida a todos os indivíduos, geraria precisamente as condições que impossibilitaria a vivência da própria liberdade, num estado de completa anarquia. (Confira a proposição 9).

 

“portanto a constituição e as leis que a sustentam, sempre estarão no coração do conservador.” (Roger Scruton)


9.            O Conservadorismo considera a liberdade individual como sendo um valor importante, mas não como estando absolutamente acima de todos os outros. O conservadorismo propõe um equilíbrio entre valores e princípios.

 O conservadorismo, como frisado anteriormente, tem uma forte base de observação empírica. Percebe-se que a liberdade precisa estar inserida em um contexto maior de valores sociais. A liberdade absoluta concedida aos indivíduos pode significar o próprio da liberdade, pela ameaça que seguramente cada indivíduo passaria a representar aos direitos de liberdade dos demais. Este princípio não advoga que todos os indivíduos se entregariam a uma conduta antissocial. Mas esta poderia se tornar tão recorrente ao ponto de ameaçar a própria liberdade individual. Isto diferencia, de certo modo, o Conservador e o Liberal.


10.       O Conservadorismo prescinde (Dispensa) de ligações com programas políticos de partidos específicos. Preocupa-se mais com a ordem social e com o bom governo.

Aqui, maiores comentários se fazem desnecessários. Ficou claro até aqui que o conservadorismo não é uma doutrina política, nem um programa partidário. Nem está ligado a uma bandeira específica como geralmente é apresentado nos discursos retóricos dos políticos, nos debates populares ou nos meios de comunicação. O Conservadorismo não advoga necessariamente o armamentismo, nem a pena de morte, por exemplo. Tão pouco apoia condutas racistas ou apresenta saudações ao Fascismo. Tudo que um conservador teme e ao que se opõe, estando ele em uma sociedade democrática, é o agigantamento do Estado e sua intrusão nos assuntos da vida privada dos indivíduos, para além do que convém a manutenção de uma saudável ordem social. Ele também não se confunde com as bandeiras morais próprias de grupos especifícos da sociedade. Embora muitos conservadores políticos as tenham também em seu conjunto de convicções. 

 

11.       O Conservadorismo entende que a função do Estado é proteger os homens em suas relações e não “desenhar”, atrapalhar ou corrigir.

 

“Políticos podem ter objetivos e pretensões em relação ao povo que pretendem governar. Uma sociedade, porém, é mais do que um organismo mudo. Ela tem personalidade e vontade. Sua história, suas instituições e sua cultura são os repositórios dos valores humanos (daquela sociedade).”

(Roger Scruton, p .58)

 

O princípio que embasa essa premissa é o de que os indivíduos e a sociedade não constituem uma massa amorfa, sem forma definida, que os governantes possam simplesmente moldar segundo suas visões idealistas. As sociedades possuem uma história, um modo de ser, costumes e os indivíduos possuem vontades e pensamentos autônomo. O que é contraposto por tal premissa, não é possibilidade do Estado atuar na promoção de uma sociedade melhor para todos. Mas a noção de que todos os meios que sejam úteis para fazer correções sejam bons e devam ser usados pelo Estado. Esse seria, para o conservador, o espírito mesmo do totalitarismo.
Bibliografia

http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/criticas-tocqueville-revolucao-francesa.htm (Críticas de Tocqueville à Revolução Francesa)








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