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DA UTILIDADE À BELEZA



Da utilidade à beleza

Pedro Virgínio P. Neto

Bebida é água!
Comida é pasto!
Você tem sede de quê?
Você tem fome de quê?
A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
A gente não quer só comida
A gente quer saída
Para qualquer parte (Titãs)

“Comida é pasto…”.

Assim começa a música “comida” dos Titãs.  Para matar a fome do corpo, um “pasto”, um prato de comida que seja minimamente tragável, basta. Mas percebemos na história humana que faz muito tempo que, para o ser humano, esta "basicalidade" deixou de ser suficiente. Daí “a gente não querer só comida” para o corpo, mas também diversão para despertar o prazer do riso e Arte para despertar o prazer diante do Belo.

Cedo o ser humano tratou de adornar com beleza os utensílios mais básicos de sua vida diária, como talheres, armas, roupas, livros e ambientes.

Kant, ao tratar da questão da beleza, teria dito:

“Há quem passe por uma floresta e só veja lenha para sua fogueira”.




Uma atitude totalmente utilitária, descrita por Kant. Mas os adornos e o cuidado com as formas não se relacionam diretamente com a utilidade e eficácia dos instrumentos. Relacionam-se muito mais com a atribuição de valores ao próprio homem e às ações que desenvolve em sua existência.

Ouso dizer que um ser humano totalmente mergulhado nesta atitude utilitária, está a um passo de abandonar a sua própria humanidade e adentrar no reino puramente animal, onde só a sobrevivência importa. Para usar uma expressão de C. S Lewis: “Está abolido o homem”.

Quando um guerreiro, por exemplo, encomendava uma espada robusta, polida e ricamente cravejada de diamantes, possivelmente pensava em ressaltar, além de sua coragem, o seu status de nobreza ou realeza.



A beleza de uma biblioteca pode estar associada à sublimidade do conhecimento; sua organização, à ordem da razão humana e sua grandeza à universalidade do saber.

Tal é o caso da biblioteca “Klementinum”, construída em Praga, na república Tcheca em 1722, junto a uma universidade jesuíta. Conta com mais de 20.000 livros e seu ambiente faz com que qualquer pessoa dentro dela sinta, pelo menos, o desejo de ser elevado à condição de um sábio ou a lamentar a condição de não sê-lo.




Abro um longo parêntese para ressaltar um fato psicológico interessantemente. Diante da grandeza e da beleza pode ser despertado no ser humano tanto o impulso para elevar-se até ao nível daquela grandeza e beleza, ao desejar aquela condição para si, ou o impulso para destruir aquilo que está diante de si, por representar para o observador uma impossibilidade, em função de sua singular sublimidade.

Assim, a beleza pode despertar amor ou rancor. Em minha opinião, vivemos numa época muito rancorosa em face das belezas do passado.

No filme Amadeus, que retrata a vida e o gênio de Mozart, há uma fala que ilustra de maneira magistral este traço negativo do ser humano e nossa época:

“Na presença das coisas sagradas, nossas vidas são julgadas e para escaparmos a este julgamento, destruímos a coisa que parece acusar-nos”.

No que diz respeito à beleza humana, ela não se reduz a beleza estética, da aparência. A beleza humana reside, sobretudo, na beleza de alma. Na concepção dos Antigos o espiritual é sempre mais belo que o material. As formas ideais são os supremos modelos para as formas materiais, conforme a teoria platônica encerrada na expressão “mundo das ideias”.

Mesmo as belezas das coisas materiais, sobretudo das obras artísticas, devem estar a serviço da elevação da alma humana.

Diante de uma bela obra de arte clássica, comumente nos sentimos “cheios”, “plenos”, ou como que “abduzidos” e “arrancados” de um mundo mesquinho e baixo para um mundo sublime e ideal.



A “beleza opressora” da sociedade moderna é um arremedo do Belo que de fato alimenta à nossa humanidade. Esta beleza moderna, industrial, apresenta-se como produto de consumo meramente material, que pode ser comprada no cartão de crédito. Ela destina-se tão somente aos olhares materialistas e rasos postados diante da “vitrine social”.

Essa “beleza opressora” é o que faz uma pessoa desejar ter um belo corpo e não importar-se, ao mesmo tempo, em cultivar uma alma bela. Um belo corpo, dentro desta concepção alienada, é tudo, não importando mesmo que seja mera imitação do corpo de um boneco, como o da Barbie ou do Ken.

Porque alguém quereria transformar-se num boneco? Vê-se que este ideal moderno de beleza, distorcido, rebaixa o ser humano e não o eleva. Por isso diziam os Antigos que “O Belo é o Bom e o Verdadeiro”.

Que benefício e que verdade há em que um homem seja modelado artificialmente à semelhança de um boneco?

O Bom e o Verdadeiro devem ser entendidos como o “resplendor” que atrai o olhar humano e o estimula à posse da sabedoria da vida, como maçãs douradas no alto de uma árvore mitológica, e não meramente à posse de frutos em decomposição e sujos de terra, jogados ao solo.



Lamentavelmente, nossa sociedade, ao negar este Belo ideal, acusando-o mesmo de ser “opressor e elitista”, deixou um vácuo que deverá, de modo inevitável, ser preenchido por outras formas de concepção de beleza. Ouso dizer que menos favoráveis à humanidade dos seres humanos. E porquê? Por que muitas dessas concepções não procuram despertar o sentimento de admiração, mas de desprezo; não de equilíbrio, mas de caos; nada procuram construir, senão o próprio impulso destruidor. Não estão comprometidas com a beleza, mas com o poder.

Quando o homem deixa de aspirar a elevação de um anjo, principia a ser tentado à conformar-se ao rastejar de uma minhoca.


QUESTÕES PARA REFLEXÃO:
1. O que é a Beleza?
2. Para que serve a Beleza?
3. A Beleza existe por si mesma, como algo objetivo ou apenas e tão somente no olhar do observador, na subjetividade?


Fontes:



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