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CONFISSÃO E PERDÃO: AS DUAS FACES DA CURA




Confissão e perdão: As duas faces da cura
Pedro Virgínio P. Neto

“Portanto, confessem as suas faltas uns aos outros
e orem uns pelos outros para que sejais curados.
A oração de um justo é poderosa e eficaz”
(Epístola de Tiago5:16)

O ser humano é um ser moral, ou seja, pauta sua conduta pelas noções de certo e errado, justo e injusto. 

Por mais que o pensamento social contemporâneo enfatize a relatividade do valor moral das ações humanas, todas as nossas relações estão perpassadas por tais noções. Sejam as relações entre indivíduos humanos, entre homem e natureza ou mesmo a relação do homem consigo mesmo. 

As rupturas das relações interpessoais, seja em nível pessoal ou num círculo social mais amplo, decorrem de ações caracterizadas como ofensivas ao direito ou à integridade física, psíquica ou moral de outrem. 

De um lado, tais ações são sentidas como injustiças e dão lugar ao legítimo desejo de reparação do dano. Mas, muitas vezes, mesmo depois do dano reparado e da situação resolvida, no coração do ofendido permanece uma ferida aberta. Uma raiz de amargura: O rancor, a corroer a alma do indivíduo que a carrega. 

Ainda com a destruição do ofensor, tal sentimento persiste e, em muitos casos, ele se volta contra o Ser em si, contra a sociedade, contra o mundo, contra tudo o que seja a realidade. 

Do outro lado, o do ofensor, quando ocorre o reconhecimento do mal praticado, o "senso de culpa" assume seu posto. Embora seja tendência moderna considerar o senso de culpa como algo inerentemente ruim para o ser humano, é fácil notar que ele é um importante marco moral na mente humana. Talvez seja a linha limite entre uma mente normal e uma mente psicopática. 

Em um conflito, portanto, de um lado temos a raiz do rancor e do outro a raiz da culpa. Ambas as raízes podem fazer a alma secar como a vegetação no deserto. 

Na base de muitas doenças mentais estão estes dois sentimentos - Culpa e rancor, decorrentes não de uma contaminação por vírus, bactérias ou algum parasita, mas das relações do indivíduo com a própria vida.

Não quero considerar aqui as inúmeras situações em que nem o senso de culpa, nem o rancor se justificam. Mas considerar, de modo geral, como eles corroem a alma humana. 

A culpa é referida habitualmente como um peso. O "peso da culpa". De fato ela é sentida desse modo. Como algo que nos deixa "rentes ao chão", algo que pesa sobre nós, que nos esmaga. Geralmente este peso é retirado de sobre nós com a reparação do dano, quando possível, ou com a concessão do perdão concedido pela parte ofendida. 

Neste último caso trata-se de um ato de pura graça, favor imerecido e concedido ao ofensor, mediante a sua confissão de culpa e do sincero pedido de perdão, lastreado em atitudes que indiquem um arrependimento real. 

Já o rancor é um sentimento negativo, rançoso, re-sentido. Conforme a origem etmológica da palavra, o rancor seria como um cadáver apodrecido que "cheira mal", carregado no interior humano. Uma raiz daninha que ao persistir gera um estado perene de amargura, desconfiança e hostilidade. 

Talvez vencer o rancor seja muito mais difícil que a libertação da culpa. O senso de culpa empurra o sujeito para baixo, o torna humilde, o humilha. Já o rancor brota no coração de alguém foi injustiçado, ou considera que o foi. 

Logo, enquanto o culpado e arrependido genuinamente implora o perdão da dívida, o rancoroso exige a reparação do seu direito. 

Em ambos os casos, há sofrimento. Parece evidente que tanto o peso da culpa (Justificada ou não), bem como a efervescência do rancor, carregado prolongadamente e não "tratados" pela confissão e pelo perdão, respectivamente, podem resultar em profundos danos à alma humana, fazendo-a mergulhar em um estado deveras patológico. 

Quero concluir mencionando o salmo 32, que expressa o profundo sentimento de culpa de um homem (O rei Davi) que cometera uma série de graves transgressões, inclusive um crime de sangue, como uma milenar referência ao peso da culpa e ao alívio decorrente da confissão e do perdão

"O sofrimento continuou até que admiti minha culpa e confessei a ti o meu pecado. Pensei comigo mesmo: Confessarei ao Senhor como desobedeci às suas Leis. Quando confessei, tu perdoaste meu terrível pecado." (Sl 32: 5)



Obs: Este texto não é um texto de psicologia. É uma reflexão filosófico-literária. Não tenciona afirmar que toda doença mental é decorrente de questões morais/relacionais. Apenas refletir sobre o impacto dos relacionamentos humanos na saúde dos indivíduos.





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